O Festival Internacional de Música da Costa do Estoril é membro, desde 1983, da Associação Europeia de Festivais de Música. Os requisitos necessários para fazer parte de tão prestigiada entidade são ter a capacidade de "divulgar manifestações de elevada qualidade temática e tradição musical» e possuir «beleza paisagística ou ambiente peculiar dos seus locais". E, portanto, graças ao cumprimento destes dois parâmetros irrevogáveis que o nosso festival tem a honra de pertencer à Europa desenvolvida.
Não há dúvidas de que ambos os critérios foram seguidos pela organização do festival: quanto ao primeiro, embora a «elevada qualidade» que tem apresentado desde há dois anos a esta parte seja discutível - recorde-se o War Requiem de Benjamin Britten interpretado sem coro; a ausência quase absoluta de músicos portugueses a integrar as programações anteriores do festival; o cancelamento dos concertos de real imponência e a restrição dó epíteto de «internacional» aos países do Leste europeu _, pode-se alegar que ao menos se tentou manter uma certa diversidade quanto às temáticas, do mesmo modo que se tentou garantir a presença de música tradicional.
Quanto ao segundo critério, é claro que a beleza que envolve toda a zona do Estoril é inegável. E se o ambiente dos locais onde os concertos são organizados tem de ser «peculiar», então este ponto foi conseguido amplamente com o novo auditório do Parque Palmela, cujo palco, dotado de grandes qualidades acústicas, praticamente esquecido perante os murmúrios da natureza, a fazerem-se ouvir na hora exacta em que os músicos pretendem começar a tocar.
Não quero com isto sequer esboçar uma declaração contra os concertos e recitais ao ar livre no Verão, mais convenhamos que, sobretudo no caso de grandes músicos, não é agradável sentir que o som do instrumento se esvai diluído no barulho das árvores, da chuva, do vento e das gentes. O auditório pode ser fechado em caso de mau tempo, ficando deste modo restrito à área do palco. No entanto, esta solução faz com que o público tenha igualmente que ser reduzido _ um toldo, ou qualquer coisa parecida, certamente solucionaria este problema.
Este ano, o Festival da Costa do Estoril melhorou bastante. Poder-se-ia quase dizer que a programação distanciou-se anos-luz daquelas que foram apresentadas em anos anteriores. Houve mais solistas, melhores músicos, atendeu-se aos 100 anos da morte de Brahms, ao bicentenário da morte de Schubert e aos 150 anos da de Mendelssohn, o que foi o ponto de partida para concertos e recitais sempre interessantes.
Em primeiro lugar, cabe destacar o modo como o festival foi aberto, no dia 6 de Julho: a «Schubertíada Brahmsiana», concebida pelo pianista Nuno Vieira de Almeida, marcou a qualidade da presença nacional com nomes como Sandra Medeiros, Inês Calazans, Marina Ferreira, António Saiote, Maria José Falcão e António Wagner Diniz. Uma entrada genuinamente portuguesa, talvez com o objectivo de colmatar uma das falhas que tinham obscurecido o festival em épocas passadas.
A primeira semana teve presenças igualmente fortes: a Orquestra de Câmara de Viena, dirigida por Georges Pchlivanian, numa apresentação que, pela sua imponência, merecia ter mais público do que as escassas cinquenta pessoas que preenchiam o auditório; o violoncelista Truls Mork e a pianista Anne Kaasa que protagonizaram um dos momentos mais interessantes, com a interpretacão de obras de Brahms, Schubert e Grieg.
Na semana seguinte, cabe destacar os concertos realizados pelo Coro Infantil da Maîtrise Henri Duparc Tarbes, sob a direcção de Jean-Paul Salanne, e o organista Gérard Seel e, sobretudo, o pianista Paul Badura Skoda, que apesar das péssimas condições climáticas - que não foram suficientes para convencer a organização a fechar o auditório - conseguiu levar por diante um concerto inteiramente preenchido por obras de Schubert.
Agosto estreou-se com a impetuosidade da pianista Tânia Achot, que interpretou obras de Chopin e de Liszt; com a precoce maturidade do duo vencedor do 1° Prémio de Música de Câmara do Prémio Jovens Músicos 96, constituído por Bruno Graça no clarinete e Vítor Pinho ao piano; com a personalidade incisiva do pianista Naum Shtarkman, que trouxe até nós obras de Beethoven, Schumann - o Carnaval Op. 9 -, Tchaikovsky e Chopin; para concluir com a Jovem Orquestra do Domaine Musical, dirigida por Jean-Paul Salanne e iluminada oportunamente pela presença irrepreensível de Pedro Burmester, com o Concerto N° 1 em Ré Menor de Brahms.
Um aspecto a melhorar é o desequilíbrio que ainda se verifica a nível dos intérpretes. Por exemplo, entre a Orquestra de Câmara de Viena e Paul Badura Skoda temos a Orquestra Sinfónica Juvenil, alternância acerca da qual se pode dizer que, se o festival tinha a pretensão de mostrar música feita em Portugal, teria sido mais conveniente seguir a linha escolhida no início - convidar músicos profissionais.
Em relação à Orquestra de Câmara de Cascais - ou da Câmara de Cascais, como tem aparecido em alguns dos cartazes circundantes, demonstrando que a oscilação quanto à origem e responsabilidade deste agrupamento permanece actual, poder-se-ia colocar a seguinte questão: havendo tanta bibliografia composta especificamente para orquestras de câmara porquê insistir nos arranjos?
A conclusão afigura-se óbvia: não é determinante, para se integrar uma associação, ser dela merecedora. No entanto, é absolutamente determinante para a boa qualidade de um festival ser capaz de escolher o que o tomará merecedor de um público.
Luciana Leiderfarb
Expresso, (Portugal), August 1997