Uma estreia e duas revisitações

Em estreia nacional, a Orquestra Nacional do Porto (ONP) interpretou, no passado dia 14, no Europarque, o concerto para piano e orquestra de Phillipe Fenelon. A peça foi abrilhantada pelo piano de Anne Kaasa que, como sempre nas suas actuações demonstrou porque é considerada uma das melhores pianistas da actualidade. Do repertório apresentado fizeram ainda parte peças de Lekeu e Ravel.

Orquestra de Violinos

Com uma peça de Lekeu, a ONP deu o mote para uma noite de música capaz de satisfazer os ouvidos mais apurados. Os violinos e os vioIoncelos encheram o Grande Auditório do Europarque de uma sonoridade majestosa e eram tocados em sintonia por um vasto grupo composto por musicos nacionais e internacionais, alguns de carreira e outros ainda em princípio, mas todos definitivamente preparados para enfrentar qualquer plateia, desde a mais Ieiga à mais especializada.

Marc Tardue, o maestro titular da orquestra desde 1998, não se coibiu e foi aquilo a que poderíamos chamar de «verdadeiro maestro». Os seus genes italianos realçavam a sua performance. Como um latino, usava a expressão corporal ao máximo para transmitir aos seus súbditos as 'ordens' que estes cumpriam divinamente.

Em conclusão, só se escutava a emoção de um tema eloquente que passava por momentos de calma até ao nervosismo possível nas cordas de um violino. - Íncrível como o som de um instrumento tão delicado pode combinar um conjunto de melodias tão distintas e fortes -. Adagio para Cordas de Lekue provavelmente esteve no seu melhor, assim como os músicos e Tardue, e o público não se cansou de o transmitir.

Os dedos mágicos de Kaasa

A pausa e o deslocar do piano até ao seu sítio em palco serviram para esquecer o momento que terminara, e esperar ansiosamente pela estreia da peça de Fenelon e a actuação de Anne Kaasa. Inevitavelmente, a pianista norueguesa entrou perante uma chuva de aplausos, vindos de uma assistência que já lhe reconhecia os dotes. Kaasa não desapontou. Mais uma vez mostrou que a relação que tem com o piano é intima e que o segredo está em sentir o que se interpreta e passar pelo corpo toda a emoção.

O jovem compositor francês Phillipe Fenelon estava orgulhoso, não só pela forma como os dedos mágicos de Kaasa interpretaram as suas notas, mas também pelo resultado conseguido, em apenas três dias de ensaios da ONP e a pianista.

Confrontado com uma orquestra constituída por músicos dos quatro cantos do mundo, Fenelon temeu o desafio. A obra, que escreveu em 1997, utiliza muitos estilos e timbres tão fortes quanto rápidos na mudança. Não se avizinhava simples a tarefa, mas o compositor foi surpreendido pela qualidade dos profissionais e a passagem pelo Grande Auditório do Europarque marcou positivamente esta primeira apresentação no nosso País.

O mestre Ravel

Depois de Lekeu e Fenelon veio Ravel. Ma Mère I' Oye (A Mãe Ganso) e Pavana para uma Infanta Defunta proporcionaram mais um momento grandioso, em que orquestra reproduziu em todo o seu esplendor as obras do criador do Bolero mais conhecido do nosso século.

A actuação da ONP no Europarque incluiu-se na terceira edição do Festival internacional de Música de Santa Maria da Feira que termina no próximo dia 31, e onde, desde o passado mês até ao momento, passaram nomes reconhecidos do panorama musical nacional e internacional.

Da estreia de Phillipe Fenelon e da interpretação das obras de Ravel e Lekeu não se poderia ter esperado outro resultado, senão uma agradável noite de musica variada e correctamente interpretada por uma orquestra que desde a sua formação se afirmou como uma das mais promissoras de Portugal.

Liderada por Marc Tardue, a ONP nos últimos anos demonstrou a sua capacidade como póIo dinamizador da música a nível nacional, e nesta sua cruzada foi protagonista de inúmeros concertos em Portugal e no estrangeiro. Centrando a actividade no Porto tem, no entanto, na sua composição músicos de todo o mundo que a tornam uma formação muito singular. A variedade surge também nos estilos que interpretam. O repertório da ONP passa pelos concertos sinfónicos e coral-sinfónicos, Ópera, bailado e abrange os estilos clássico, romântico e contemporâneo.

Diário Económico, (Portugal), July 2000